sábado, 23 de abril de 2011

A curva

Foto: looking4good.wordpress.com

Pedro estava cansado. Esta, aliás, era a única palavra capaz de expressar seu estado de espírito.

Cansado da vida, dos amigos, da esposa, dos familiares, enfim, de todos que o cercavam.

Era uma terça-feira à tarde quando teve um desses rompantes categóricos que nos acometem uma ou duas vezes na vida. Resolveu largar tudo. Tudo mesmo.

Com uma certeza ímpar, simplesmente mandou seu chefe à puta que o pariu e dirigiu-se ao shopping que havia ao lado da empresa na qual trabalhava.

Parou em frente ao caixa eletrônico e, sem titubear, sacou todo o dinheiro que seu limite lhe permitia. Não era muito, mas o suficiente para viver um ou dois meses sem passar qualquer necessidade.

Voltou para o carro sorridente. Sabia que estava prestes a cometer o ato mais louco de sua vida.

Com um olhar malévolo, ligou para a esposa e disse-lhe sem meias palavras que estava se mandando. Não explicou o motivo, apenas disse para não mais esperá-lo em casa. Nunca mais, frisou.

Pronto, havia executado a parte mais complicada de seu plano. Sabia que agora não havia mais volta.

Em quinze minutos, venceu todas as esquinas e sinaleiras possíveis. Em seguida, alcançou a estrada, o suficiente para que uma injeção de endorfina fosse liberada em seu corpo de meia idade.

Ligou o som no máximo e esperou que o Rock'n Roll levasse seu problemas embora. Nada como a sensação de liberdade, pensou.

Agora, Pedro não era mais um executivo, um cara casado ou um cidadão eterno pagador de impostos. Pedro era um viajante, um homem da estrada, um produto da vida desregrada.

Olhou para o display do celular e viu 17 chamadas de sua esposa e duas de seu chefe, o bastante para que atirasse o aparelho pela janela. Sua nova vida prescindia de eletrônicos.

Fodam-se todos, bradou em pensamento.

Ainda entorpecido pelos efeitos da endorfina, achou melhor acelerar seu veículo como jamais fizera. Sem regras de trânsito, guardas ou passageiros para criticar-lhe. Apenas ele e seu ímpeto. Nada mais.

Chegou rapidamente aos 180 km por hora. Algo relativamente fácil naquela estrada deserta e repleta de pistas. Quando estava ultrapassando a barreira dos 200 km, percebeu que uma curva sinuosa ganhava seu campo de visão.

Mas Pedro não queria frear. Se assim procedesse, voltaria ao estado de monotonia que o levara até aquela aventura. Queria fazer aquela curva como somente um Ayrton Senna seria capaz. 

Então, no auge de sua loucura, acelerou com um entusiasmo invejável. Tão-logo adentrou na curva, sentiu que não iria vencê-la.

Capotou aproximadamente 12 vezes antes de parar em frente a um poste cuja placa dizia "S.O.S". Que paradoxo - disse seu pai, horas mais tarde, ao saber do ocorrido.

Muitos boatos foram criados na tentativa de explicar a morte de Pedro. Mas a verdade é que ninguém nunca soube de verdade o que se passou na cabeça daquele homem médio.

O sorriso irônico que o cadáver de Pedro estampava no rosto contribuiu para alimentar a curiosidade das pessoas que haviam comparecido ao seu velório.

Todos, sem exceção, ficaram perplexos com a ousadia do amigo. 

Um dos presentes chegou a comentar que, se fosse para morrer, que fosse como o Pedro. Afinal, este parecia saber o que estava fazendo.

Parecia... 

6 comentários:

Pati Peña disse...

UAU Ótima história! na verdade isso pode acontecer com qualquer um que esteja sob pressão e muito stress, cansado da vida monótona e cheia de regras,ele na verdade pirou rsrs e sabia disso e ele gostou, eu acredito que ele morreu feliz! haha
Obrigada, bjs

Alyson Antunes disse...

Caramba! Esse saiu da casinha. De certo que ele estava estressado, queria respirar novos ares e acabou ficando sem respirar. hahaha.
Muito "massa".

Fellipe Cândido disse...

Pedro era mesmo brasileiro. Até na hora morte ironiza a vida e sorri ao observar os motivos que a trouxeram.

Mais um excelente texto meu caro!

Abração

http://fellipe-candido.blogspot.com

Renata disse...

Caraca!!!
Adorei esse conto.
Tenho certeza que a maioria das pessoas já desejaram cometer essa loucura ao menos uma vez na vida.
beijos

Marangoni disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marangoni disse...

Às vezes é assim mesmo, dá umas coisas loucas na cabeça das pessoas, e simplesmente se vão. Pareceu-me um pouco com a saída do John McCandles no filme Into The Wild (Na Natureza Selvagem), mas o fim foi mais surpreendente, ou pelo menos mais breve, mas o mesmo. Bem, assisti uma vez um documentário sobre uma tal ponte nos EUA que as pessoas costumam se jogarem... gosto um pouco destas coisas, a vida se auto eliminando. Nietzsche dizia que uma pessoa que escolhi a hora de sua morte deveria receber o direito de viver de novo, tão nobre era este ato. Mas ele não é um bom exemplo disso. No mais, sempre um bom texto. Parabéns!
Quem quizer mais, pode também acessar meu blog
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Abraço.