quarta-feira, 24 de julho de 2019

Adaptação

Assim que terminei meu último relacionamento (que, "tecnicamente", foi o único), tive que lidar com a ideia de morar sozinho.

Quando me dei conta, não havia mais ninguém em casa além de mim e minhas inúmeras incertezas.

Algo relativamente bem assustador, a princípio.

Chegar em casa e não ter com quem conversar - a Josefina não fala, infelizmente - é algo bem angustiante, sobretudo quando se é um principiante nesse assunto.

Não fosse a televisão e o som irritante que insistentemente teima em sair dela, seria possível cortar com uma faca o silêncio que paira (pairava) no ar.

Invariavelmente, então, você acaba se sentindo só, o que pode levar-lhe a tomar decisões precipitadas.

Essa "solidão passageira", a propósito, deve ser o principal motivo pelo qual as pessoas insistem em retomar um relacionamento cujo ciclo chegou ao fim.

À medida que o tempo foi passando, contudo, fui me acostumando com a sensação de morar sozinho.

E algo que certamente me ajudou nesse processo foi uma mudança involuntária no meu comportamento. 

De repente, me peguei interagindo com as outras pessoas com uma frequência muito maior.

Só então me dei conta de que interagir passou a ser uma necessidade, e não mais um mero passatempo.

A verdade é que acabei me adaptando à situação. 

Adaptar-se, aliás, talvez seja uma das melhores qualidades do ser humano. Afinal, com um pouco de boa vontade, nos amoldamos a quase tudo.

Hoje, posso dizer que gosto de morar sozinho. No mínimo, sinto-me à vontade com essa condição.

É aquela velha máxima: nada como um dia após o outro.

Claro que sinto falta de ter alguém com quem partilhar as coisas (das mais importantes, como uma grande conquista pessoal, às mais triviais, como fazer o café).

Até porque, acredito que seja da nossa natureza querer fazer isso com quem julgamos especial.

Mas se tem uma coisa que apreendi nestes últimos anos (nos últimos meses, em especial), é que tudo tem seu tempo.

Tudo, absolutamente tudo, tem a hora certa.

Enquanto isso, sigo só.

Por mais incrível que pareça, sinto-me bem com a minha própria companhia (risos).

Menos mal...

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Avançando casas

Mais para o bem do que para o mal, meu aniversário se aproxima a passos largos.

E, junto dele, as reflexões inerentes a essas datas.

Altíssima taxa de RPM (reflexões por minuto, no caso).

Inevitável, ao menos para mim. 

Sinto como se estivesse numa espécie de reveillon extemporâneo, adentrando um "ano novo" no meio de um ano já considerado velho.

Quase - eu disse quaseuma transgressão.

De qualquer forma, uma virada de chave. Recomeço (será?).

Como disse (ou só pensei mesmo), fico reflexivo nessas datas. Então, deem um desconto a um exagero ou outro.

"Não sermos literais às vezes faz nossa beleza" (H.G.).

No mínimo, faz parte do ofício (no caso, do hobby).

--------------- pausa para uma generosa taça de vinho tinto ------------------

É estranho falar isto em voz alta, mas estou na iminência de completar 37 anos de vida.

Ou 37 invernos, como preferem os poetas de talento questionável. 

E, por mais paradoxal que isto soe, a verdade é que fazia tempo que não me sentia tão jovem.

Inexplicavelmente, nem mesmo um banho de água gelada numa manhã fria de inverno faria com que me sentisse tão vivo.

Tão, tão...

Difícil explicar sem ser sincero "como não se pode ser".

De qualquer forma, ando me sentindo empolgado. Inspirado.

E gosto muito dessa sensação.  

Até demais, eu diria.

M - E - D - O!

Oremos.

terça-feira, 9 de julho de 2019

Escolhas

A vida, como todos sabemos, é feita de escolhas. Fato.

Ocorre que o ato de escolher nem sempre é algo fácil.

Longe disso. 

Afinal, ao optar por determinada coisa, automaticamente, você está abrindo mão de diversas outras.

Às vezes, de coisas ruins. Às vezes, não.

Algo que, infelizmente (ou felizmente mesmo), nunca saberemos.

Mas, se pensarmos bem, talvez seja justamente essa a graça da brincadeira, aquilo que deixa tudo mais interessante. 

Mesmo porque, se pudéssemos antever o resultado de determinado ato - uma espécie de spoiler do nosso futuro -, nossa vida seria um tédio sem fim. 

É que, querendo ou não, o desconhecido é tão assustador quanto atrativo.

Especialmente se levarmos em consideração que mudar é preciso. Salutar.

Não vou negar que seria interessante se pudéssemos dar uma espiada vez ou outra num eventual universo paralelo

No famoso: "E se"

Aposto que isso faria mais sucesso que a netflix (a propósito, fica a dica para uma série, se é que alguém já não pensou nisso).

Ainda assim, continuo achando que a velha e boa escolha cega, baseada sobretudo na intuição, é o melhor caminho.

É o que confere charme ao mister

E, por que não, o que nos faz pensar bem antes de praticar determinados atos, embora isso nem sempre dê certo.

Devaneios à parte, "escolhi escolher".

Então, se for para errar, que seja por escolher de mais. 

Jamais, JAMAIS MESMO, por escolher de menos

terça-feira, 2 de julho de 2019

O Beijo de Maria

imagem: domtotal.com
Raul acordou com uma sensação estranha naquela terça de inverno ortodoxamente gelada.

Não era a fome incomum tampouco o ruído infernal que invadia a janela de seu apartamento os responsáveis por isso.

Não!

Tratava-se de algo muito mais complexo e instigante: uma mulher.

Uma mulher, não. A mulher! 

Maria era o nome dela. Ou "Santa Maria", como ele gostava de chamá-la em seus pensamentos (nos impuros, inclusive).

Eufemisticamente falando, tratava-se da mulher mais charmosa num raio de mil galáxias.

Maria, definitivamente, era um absurdo de tão atraente. Um disparate.

Nem mesmo um Machado de Assis seria capaz de descrever uma beleza tão intimidadora. 

E Raul sabia que precisaria tomar uma atitude cedo ou tarde. No mínimo, deixar o campo hipotético e arriscar sua sorte.

Mesmo porque, não tinha mais condições de viver naquela angústia.

Então, numa quinta-feira à noite, munido de uma coragem para lá de passageira, atribuída à sua sinceridade etílica, resolveu arriscar.

Como se fazia num passado nem tão distante assim, ligou para Maria (sim, ligou) e a convidou para tomar um chope, com o que ela prontamente concordou, para seu delicioso espanto.

O único problema é que Raul não estava preparado para o aceite; como bom sonhador que era, havia idealizado somente até o momento do convite.

E isso o deixou nervoso. Intimidado.

Assim que saíram, contudo, o nervosismo foi dando lugar a uma sensação agradável.

O fato de estar na companhia do exemplar mais belo da espécie humana, estranhamente, fez com que se sentisse seguro, dono de si.

E foi somente quando se beijaram que Raul soube que, de alguma fora, havia nascido para aquilo.

Sua missão na terra era beijar a mais especial das mulheres.

Por um instante, sentiu pena dos demais mortais. Não muito, é verdade, mas sentiu.

E sorriu como somente um homem que beija uma Maria seria capaz de sorrir.

Havia chegado, enfim, a sua vez de sorrir.