quinta-feira, 27 de maio de 2021

O assalto improvável

Algumas semanas atrás, como de costume, tão logo tomei meu café da manhã, coloquei a coleira na Josefa, minha "catiora", e partimos bairro adentro.

Quem tem cachorro - e quem não tem também - sabe que eles adoram cheirar pneus de carros.

Não importa o modelo, o tipo ou o ano, o negócio é cheirar o pneu. Ponto.

O pneu de carro está para eles (os cachorros) como uma cerveja gelada está para nós (os homens barrigudos). 

como tem muitos carros estacionados na minha rua, ela funciona como uma espécie de disneylândia para Josefa, que, tal qual uma viciada, põe-se a cheirar praticamente todos os pneus que vê pela frente.

Naquela manhã em específico, o passeio sagrado matutino, como costumo chamá-lo, transcorria normalmente.

Até que a Josefa parou para cheirar o pneu do carro de uma empresa de logística localizada aqui perto de casa.

Enquanto esperava ela saciar seu vício, reparei que dentro do veículo havia uma bolsa feminina entreaberta.

Filho de policial que sou, logo pensei que era um grande erro deixá-la assim à vista, sobretudo porque o vidro do carro não estava fechado por completo.

Até porque, pequenos furtos, via de regra, costumam ser cometidos em circunstâncias semelhantes.

Durante esse pequeno devaneio, contudo, fui interrompido pelo diligente segurança da empresa em questão.

Um homem alto e forte (estava mais para rechonchudo, na verdade), com a voz claramente mais grave que o habitual, com caixa alta e tudo, perguntou-me:

- ALGUM PROBLEMA, AMIGÃO?

Como estava acompanhado de um shih tzu, até então, não tinha me tocado de que estava em uma atitude claramente suspeitade modo que demorei alguns segundos para processar o que estava acontecendo.

Foi só quando percebi que minha cachorra não estava à vista do segurança que tomei consciência do porquê da abordagem ríspida.

Um homem barbudo parado em frente a um carro é uma coisa; um homem barbudo, acompanhado de um shih tzu, parado em frente a um carro, é outra bem diferente.

Então, já sabendo como contornar a situação, limitei-me a dar alguns passos à frente, apenas o suficiente para revelar o "animal feroz" que me acompanhava.

Tudo sob o olhar atento do segurança que, a essa altura, já havia mudado radicalmente seu semblante.

Em seguida, agora com a vantagem de estar muito bem acompanhado da razão, retruquei:

- Nenhum problema, por quê?

Claramente sem graça, o segurança praticamente me pediu desculpas. E, de imediato, passou a me contar, com bastante entusiasmo até, sobre os três cachorros que tem em sua casa.

Mais tarde, ao refletir sobre o assunto, cheguei à inevitável conclusão de que, se o ato que se formou na fantasiosa cabeça do segurança tivesse mesmo se confirmado, esse seria, sem qualquer sombra de dúvida, o primeiro assalto da história da humanidade acompanhado de um shih tzu.

O que, convenhamos, é algo bastante improvável.

Improvável até demais, eu diria.