sexta-feira, 29 de abril de 2016

Aquela dos olhos negros

Foto: http://rockntech.com.br
Já fazia algum tempo que Maurício estava encantado por Renata, uma de suas colegas de estágio que detinha um belo par de olhos negros.

Todos na empresa, invariavelmente, já haviam percebido que Maurício estava literalmente de quatro por sua colega, inclusive a própria Renata.

Renata, aliás, parecia estar gostando de exercer esse papel de mulher venerada. 

Os colegas de trabalho de Maurício, por outro lado, alertavam-no a todo instante acerca do perigo que estava correndo ao tentar se envolver com a bela e, aparentemente, recatada Renata.

Insistiam na tese de que Maurício iria sair com o coração dilacerado desse relacionamento que sequer havia iniciado.

Tanto que a frase que mais se ouvia na empresa era "aquela dos olhos negros vai machucar seu coração".

Maurício, por sua vez, dava de ombros aos avisos dos colegas; mesmo porque, estava aficionado por aquela mulher e faria de tudo para tê-la em seus braços antes que acabasse seu estágio, cujo fim se aproximava a passos largos.

Assim, resolveu intensificar os ataques. Era tudo ou nada.

De repente, então, qualquer coisa era motivo para Maurício puxar uma conversa, encostar a mão no ombro de sua colega, buscar uma xícara de café, dentre outros tantos atos (friamente calculados) praticados na tentativa de conquistá-la.

E nem mesmo os mais pessimistas dos colegas, que diziam que Renata era mulher demais para ele, conseguiram demovê-lo da ousada ideia.

À medida que o tempo passava, contudo, Maurício ia ficando cada vez mais sôfrego. Afinal, por mais esforços que envidasse, não conseguia sair do zero a zero.

A questão é que Renata dava corda ao seu colega - até demais -, mas acabava sempre recuando no momento final, o que ia minando as intenções de Maurício pouco a pouco.  

Até que chegou o fim de seu estágio e, com ele, o dia em que Maurício, não aguentando mais o "chove não molha", abriu seu coração aos colegas mais próximos.

Falou, em apertada síntese, num misto bizarro de agonia e felicidade, que Renata estava lhe consumindo como nenhuma outra.

Um de seus colegas, então, colocou a mão sobre seu ombro e, de uma forma nada reconfortante, perguntou:

- Nós avisamos que aquela dos olhos negros iria machucar seu coração, não avisamos?

- Avisaram... - respondeu Maurício, um tanto triste, um outro tanto conformado. 

E completou: - Pior que avisaram... 

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Você não faz ideia...

Eduardo sabia que estava em apuros. Contudo, isso não o impedia de prosseguir; afinal, a iminência do desastre era justamente o que o motivava.

O desastre, no caso, tinha um nome. Para ser mais exato, um nome composto: Maria Ângela.

Maria, que de anjo não tinha nada, era a antítese de seu correspondente bíblico. 

Praticamente, um pecado com pernas, cujas formas eram belas o bastante para atormentar quase que a totalidade das pessoas que trabalhavam na vigilância sanitária de um município do oeste do Estado.

Eduardo, por outro lado, era o típico homem médio: Nem belo, nem feio; Nem gordo, nem magro; Nem rico, nem pobre.

Em suma, médio como um homem médio deve ser.

Tão mediano que ninguém sabia como era casado, muito embora sua esposa pudesse ser definida como o paradigma da feiura. 

E, por algum motivo em especial, Maria Ângela se encantou por Eduardo, o que despertou a curiosidade de todos seus colegas.

Essa curiosidade se dava em parte por Maria jamais ter se interessado por um colega, em parte porque o alvo era o insosso Eduardo.

O que a bela Maria Ângela havia visto nele, afinal?

Até mesmo as demais colegas de Eduardo, que sequer conversavam muito com ele antes do repentino interesse de Maria, acabaram se revelando curiosas. 

Da noite para o dia, concluíram que havia algo de especial naquele homem, só faltava descobrir o quê. 

Antes que isso acontecesse, contudo, Maria Ângela - munida de toda sua exuberância - foi ao ataque. 

Nem mesmo uma leoa na savana faria frente à obcecada Maria Ângela. 

Para encurtar a história, Maria agarrou Eduardo num happy hour na frente de todos os colegas, não poupando nem mesmo a chefia que, extraordinariamente, fazia-se presente naquela noite.

O fato, como não podia ser diferente, causou furor. De um jeito ou de outro, mexeu praticamente com todos que ali estavam.

O mais afetado, porém, foi o próprio Eduardo.

A verdade é que Eduardo ficou burro apaixonado, mas tão burro, que acabou perdendo o bom senso. Junto com ele, a esposa, o emprego e quase todo o resto.

Só não perdeu Maria Ângela que, até os dias de hoje, se refestela com ele após incessantes noites de amor.

E quando um ex-colega o encontra na rua e pergunta se valeu a pena mudar toda sua vida por causa de uma única mulher, Eduardo sempre responde exatamente a mesma coisa:

- Você não faz ideia, meu amigo! Você não faz ideia...