domingo, 18 de setembro de 2011

Assassino ético

Cansada da mesmice que pautava sua vida dia após dia, Júlia pensou em fazer algo diferente.


"Ju", como era conhecida pelas amigas, morava em um apartamento enorme. Dividia o 12º andar com apenas um vizinho, cujo nome sequer conhecia.
  
O vizinho havia se mudado há pouco menos de um mês. 


Então, na ânsia de mudar os ares, resolveu que iria convidá-lo para um  drinque. Para mais um, porquanto já havia bebido alguns naquela noite.


Titubeou um pouco antes de tocar a campainha, afinal sua convivência com ele limitava-se a eventuais sorrisos no elevador.


Contudo, como era um homem muito bonito, Júlia optou por arriscar.  

Blin-blon - soou a campainha.

- Oi - disse o vizinho assim que abriu a porta.

- Oi. Eu sou a Ju, sua vizinha.

- Eu sei - respondeu ele.

Júlia ficou intrigada. Quando percebeu, já havia deixado escapar a pergunta:

- Você sabe que sou sua vizinha ou que meu nome é Júlia?

- As duas coisas. 

A resposta foi o suficiente para que Júlia senti-se seu rosto corar. Não esperava por um galanteio tão rapidamente.

- Eu sei tudo ao seu respeito - disse-lhe o vizinho, sério.
  
Júlia sorriu novamente. Começou a achar interessante a brincadeira. Estava excitada.

Então, após alguns segundos de um silêncio quase constrangedor, disse ao vizinho:

- Gostei do seu jeito. Você deve ser um cara bem engraçado.

- Quem foi que disse que eu estou brincado? - perguntou ele. - Eu sei tudo ao seu respeito. 
T-U-D-I-N-H-O!

No começo, achava que seu vizinho fazia o tipo sarcástico. Mas a forma pausada como ele havia falado a palavra tudinho lhe deixou receosa. 

Na dúvida, achou melhor entrar na brincadeira.

- Qual a data do meu nascimento, sr. sabe tudo? - perguntou.

- 01/01/1980 - respondeu ele, prontamente.

Como seu vizinho acertara em cheio, colocou a mão sob o queixo e pôs-se a pensar em uma pergunta que ele jamais saberia a resposta.

- Qual o nome do meu primeiro namorado?

- André Floriano dos Anjos - respondeu. - Conhecido pelos amigos como "Dé" - completou.

A resposta havia sido tão certeira que Júlia não conseguiu disfarçar a cara de espanto, o suficiente para que arqueasse as duas sobrancelhas como um gato assustado.

Sua segunda reação foi racionalizar os fatos. Afinal, deveria haver um motivo para ele saber todas aquelas informações.

Resolveu, pois, fazer-lhe mais uma pergunta:

- Quero ver se você é bom mesmo... Qual a placa do meu carro? 

- MGT-2134. E está na hora de você pagar o IPVA...

Mais uma vez a resposta fora certeira. Certeira até demais. 

- Isso é alguma espécie de brincadeira? - perguntou ela.

- Não.

- Tem certeza? - insistiu.

- Claro que tenho.

- Como era mesmo seu nome? - perguntou Júlia.

- Eu não disse o meu nome - respondeu-lhe o vizinho.

Júlia voltou a arregalar os olhos pela terceira vez em menos de meia hora. Agora, temerosa.

Não estou entendendo qual é a desse cara, pensou. 

Queria voltar para seu apartamento, mas a curiosidade parecia falar mais alto. Assim, resolveu descobrir quem era o misterioso vizinho.

- Você trabalha no quê? - perguntou Júlia.

- Sou um matador de aluguel.

Um largo sorriso tomou conta do rosto de Júlia. Seu vizinho, no entanto, manteve-se sóbrio.  

- Você está de sacanagem, né? 

- Não - respondeu ele, ainda mais sério.

- Você está me assustando... Por favor, pare com isso.

O matador de aluguel respirou fundo. Em seguida, disse-lhe:

- Vou matá-la daqui a pouco.

Júlia sentiu sua perna tremer, bem como um descontrole invadir-lhe o corpo. Conteve as lágrimas o máximo de tempo possível.

- Por favor, não me mate! Eu.. Eu...

- Desculpe-me, mas preciso fazer isso... - ponderou o assassino.

O vizinho, então, puxou uma faca enorme e apunhalou Júlia no pescoço, o bastante para que seu sangue viscoso escorresse pelo corredor.

Quando o assassino estava pegando suas coisas para dar o fora do prédio, ouviu um murmúrio.

- Você ainda está viva? - perguntou a si mesmo em voz alta.

Percebeu que Júlia queria lhe dizer algo. Ele, então, aproximou seu ouvido da boca  ensanguentada de sua vítima.

- Quem te contratou? - indagou-lhe Júlia, sôfrega.

- Desculpe-me, mas não posso lhe responder essa pergunta.

- Por quê? - perguntou ela novamente, quase agonizante.

- Isso seria antiético - respondeu-lhe o assassino. - Muito antiético... 


Um comentário:

Rômulo Canever Lucion disse...

Muito bom cara...
Achei engraçado o "antiético... Muito antiético..."
uahuahauhuahuahuha
Grande abraço